O vírus Zika - Expondo a desigualdade no Brasil

segunda-feira, Fevereiro 29, 2016 blog Share


mosquito.jpg

O vírus Zika foi o ponto de partida de importantes debates a nível nacional e mundial sobre o aborto na América Latina. Como relata o The Washington Post, muitos países estão experimentando renovadas chamadas para um relaxamento em suas leis de aborto devido à forte ligação causal entre a contração do vírus durante a gravidez e o desenvolvimento de microcefalia do feto.

Enquanto a infecção em adultos, na maioria dos casos, produz sintomas relativamente menores, o aumento nas taxas de nascimento de bebês com microcefalia em áreas onde o vírus também está presente em número elevado, fez com que a Organização Mundial de Saúde classificasse a situação como uma "emergência de Saúde Pública de importância internacional'. Além disso, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças sedeado nos Estados Unidos decidiu aumentar para nível “1 – ativação” - seu nível mais alto de emergência - o surto do Zika, em resposta à propagação do vírus e casos de microcefalia associados. Até ao momento, o Brasil, Polinésia Francesa, El Salvador, Venezuela, Colômbia e Suriname relataram um aumento nos casos de microcefalia, bem como o número de surtos do vírus Zika.

 

Resposta inadequada dos Governos

Muito mais ainda está para ser conhecido sobre a infecção, com incertezas sobre a sua transmissão e uma falta de testes rápidos que contribuem para uma falta de conhecimento sobre o surto. No entanto, Women Help Women considera que a resposta dos governos nas áreas afetadas é o desenvolvimento mais preocupante até à data. Embora a OMS tem enfatizado a importância dos serviços de saúde sexual, os governos da América Latina reagiram, apelando às mulheres para simplesmente evitar a gravidez. Como que por magia! O Ministro da Saúde de El Salvador, ao mesmo tempo que afirmou que esta situação poderia levar a uma revisão da legislação sobre o aborto, e que qualquer debate não deve ser prolongado, mas sim "prático", anunciou também que as mulheres devem de alguma forma "abster-se" de engravidar durante os próximos dois anos.

 

Resposta da Organização Mundial de Saúde (OMS)

As diretrizes da OMS para as mulheres que possam estar expostas ao vírus Zika incluem o fornecimento de um "gama completa" de métodos de contracepção de curto e longo prazo, bem como o acesso ao aborto seguro. Outras recomendações da OMS incluem a tomada de medidas para evitar picadas de mosquito, como o uso de repelentes e redes. A organização também alterou os seus conselhos de viagem, acrescentando que as mulheres grávidas que vivem fora da região devem consultar os seus prestadores de cuidados de saúde e considerar adiar viagens para as áreas afetadas. A OMS está trabalhando atualmente numa lista abrangente de recomendações para as mulheres grávidas infetadas com o vírus Zika.

Para mais informações e recomendações, consulte os seguintes links:

• Organização Mundial de Saúde: Mulheres no contexto de microencefalia e do vírus Zika

• Organização Mundial de Saúde: Informação para viajantes aos países afetados pelo vírus Zika

• Planned Parenthood: Perguntas e Respostas - Infeções pelo vírus Zika


Opções para as mulheres na América Latina

Mesmo com o uso de anticoncepcionais, nem sempre se pode prevenir uma gravidez indesejada. No entanto, para as mulheres na América Latina, estes problemas são agravados, em primeiro lugar, por dificuldades de acesso a contracepção. Adicionado às proibições generalizadas sobre o aborto na região, estas mulheres não têm perspectivas reais de poderem "evitar" a gravidez e o parto. Estas recomendações impõem-lhes, injustamente, a responsabilidade de evitar a gravidez, enquanto lhes negam os meios pelos quais poderiam considerar as recomendações feitas e controlar a sua fertilidade.

Ao ignorar a realidade da vida das mulheres, as recomendações dos governos da região pouco podem fazer para reduzir nascimentos de bebês afetados com microcefalia, a menos que o acesso à contracepção e ao aborto seja muito mais abrangente. As reações internacionais a essas diretrizes foram amplamente na mesma linha - perguntando quais são as opções que essas mulheres realmente têm para considerar os conselhos emitidos por governos e autoridades de saúde internacionais.

O que também é importante lembrar é que, como a maioria das situações de saúde e de emergência, são as pessoas mais pobres e marginalizadas que estão em maior risco e, consequentemente, sofrem mais. Os casos de Zika e microcefalia estão sobretudo concentrados em áreas onde os testes para a deteção do vírus e para malformações antes do nascimento raramente estão disponíveis em clínicas de saúde pública. Estas áreas mais carenciadas, onde a superlotação também é comum, tornam-se um extenso terreno fértil para os mosquitos. Além disso, as mulheres nestas áreas têm mais dificuldades em acessar a contracepção eficaz e outros serviços de saúde sexual. Consequentemente, elas estão em maior risco de ter filhos com microcefalia do que as mulheres de áreas mais ricas, as quais têm um risco reduzido de exposição e a capacidade de aceder a melhores cuidados de saúde. Além disso, devido a esta situação de emergência, é esperado um aumento no número de abortos inseguros e os consequentes riscos de saúde para as mulheres na região.


Resposta de Outros Grupos

O trabalho de grupos de defesa e ajuda locais, tais como ANIS tem sido inestimável. Estes grupos trabalham diretamente no terreno, lutando para encontrar soluções, ao mesmo tempo que estão presos num beco sem saída aparente. A falta de saúde sexual e serviços de saúde reprodutiva para as mulheres e os níveis de desigualdade não são temas novos. Tem havido uma violação sistemática dos direitos humanos das mulheres que está longe de desaparecer. No entanto, o interesse internacional sobre o vírus Zika ajudou a expor esta crise, com alguns sugerindo que o mosquito é o 'maior denunciador’ da desigualdade no Brasil.

Várias organizações internacionais também lançaram declarações sobre a situação. O Escritório das Nações Unidas do Alto Comissariado para os Direitos Humanos afirmou que as leis e políticas que restringem o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva que se encontram em violação das normas internacionais, devem ser revogadas. O Centro para os Direitos Reprodutivos lançou uma petição para o Ministério de Saúde de El Salvador exigindo levantar a proibição total do aborto no país. Muitos outros grupos, como o Ipas e Planned Parenthood estão a aderir ao crescente apelo aos governos para revogar ou relaxar a lei do aborto, bem como aumentar o acesso à contracepção. Na própria região, foi registado o primeiro aborto legal devido a malformações associadas com o vírus Zika na Colombia (um dos poucos países da região que permite abortos em certos casos). Além disso, vários acadêmicos estão preparando casos para apresentar no Supremo Tribunal do Brasil, os quais são uma iniciativa importante (se bem sucedida), embora seja importante ressalvar que as mulheres precisam de ações e iniciativas agora!


A womenhelp.org pode ajudar as mulheres a aceder a pílulas abortivas

Se vive na América do Sul e precisa de contraceptivos ou um aborto seguro (independentemente de estar ou não infetada com o vírus Zika), a Women Help Women pode ajudá-a

Para aceder a este serviço, visite
womenhelp.org
ou envie um e-mail para info@womenehelp.org

A Women Help Women é uma organização feminista que trabalha de forma colaborativa, amplificando as vozes feministas da região e lutando para alcançar mudanças sistemáticas em termos de direitos de saúde reprodutiva. Nós encorajamos um maior apoio aos grupos que trabalham atualmente no terreno, como por exemplo ANIS.